O ano de 2018 será crucial para a seleção brasileira de futebol feminino. Em duas semanas, a equipe comandada pelo técnico Vadão disputará a Copa América – que começa dia 4 de abril -, competição que definirá vagas para a Copa do Mundo da França no ano que vem e para os Jogos Olímpicos de Tóquio em 2020.
Um torneio de extrema importância para o qual o Brasil começou sua preparação ainda no fim de fevereiro. Mas em vez de enfrentar adversários que testem o potencial da seleção, a opção da CBF e da comissão técnica foi fazer um cronograma de treinos para utilizar as datas Fifa que antecedem a competição.
O objetivo, segundo explica o coordenador de futebol feminino, é “evitar lesões” e ter “qualidade física”.
“A comissão técnica entendeu que seria melhor fazer um trabalho de qualidade física pra ter um padrão semelhante ao que nós tivemos na Olimpíada”, afirmou às dibradoras Marco Aurélio Cunha, coordenador de futebol feminino da CBF.
“Nós entendemos que, se fosse para jogarmos o torneio de Algarve, dia sim, dia não, não aprimoraríamos o trabalho tático que está sendo feito para a Copa América. Seria desgaste físico em competição e poderíamos ter lesão”, reforçou.
Pensando nisso, a seleção feminina ficou de fora da Copa Algarve de novo (realizada entre Portugal, China, Austrália, Noruega, Coreia do Sul, Rússia, Canadá, Suécia, Japão, Holanda, Dinamarca e Islândia) e não marcou nenhum amistoso desde novembro do ano passado, quando enfrentou o Chile duas vezes.
“Faremos amistosos internos, jogos-treino, não vamos enfrentar seleções, até porque a disponibilidade das seleções sul-americanas é pequena, e as seleções europeias precisam de viagens mais longas e tempo. E a gente acaba perdendo tempo, são 10 dias com elas, dois pra ir, dois pra voltar, fica pouco tempo para trabalhar com elas”, pontuou Marco Aurélio.
“Acreditamos que ter só jogos não seria interessante e a gente acha que, fazendo trabalhos e treinamentos com jogos-treino, nós vamos chegar na Copa América sem riscos de lesão”, disse Marco Aurélio.
Desde que Vadão assumiu em sua segunda chance para comandar a seleção, os únicos testes pelos quais sua equipe passou foram o torneio da China em outubro (contra México, Coreia do Norte e a própria China) e os dois amistosos contra as chilenas em novembro – que terminaram com vitórias fáceis do Brasil por 4 a 0 e 3 a 0 diante da fragilidade das adversárias.
O maior desafio do treinador desafio será mesmo a Copa América, na qual, é importante mencionar, o Brasil entra como favorito absoluto tendo vencido seis das sete edições do torneio até aqui – só perdemos em 2006, quando Argentina foi campeã. A estreia da seleção será dia 5 de abril contra a Argentina, depois enfrentará Equador, Venezuela e Bolívia – a competição termina no dia 22 de abril.
Vadão, porém, minimiza qualquer “vantagem”, como deixou claro em declaração ao site da CBF em dezembro passado.
“Não podemos achar que só porque vencemos algumas vezes, seremos campeões. Todas as seleções têm trabalhado e evoluído. Não podemos repetir o mesmo erro de grandes seleções masculinas, por exemplo, que não conseguiram se classificar para a Copa do Mundo”, disse o técnico.
Preparação sem jogos?
Sorte do Brasil que, se nós ainda temos feito pouco pelo futebol feminino, os outros países sul-americanos que estarão na Copa América têm feito menos ainda. Nós contamos com os talentos que brotam em todos os lugares nesse que é chamado pais do futebol, mas que ignora tanto as potenciais Martas que surgem em cada esquina. Sendo assim, se analisarmos apenas o aspecto racional, ganhar a Copa América não é mais do que nossa obrigação.
De qualquer forma, há que se estranhar um planejamento para uma competição tão importante em que sequer se faça jogos amistosos para testar o time antes da estreia. Lesões fazem parte da vida de qualquer atleta e o podem acontecer tanto em partidas oficiais/amistosas, quanto em treinos. Além disso, as jogadoras principais estão atuando pelos seus clubes na Europa ou nos EUA, onde também estão sujeitas a outros possíveis problemas físicos.
Olha aí o caso de Neymar. Acabou de passar por cirurgia porque se lesionou “sozinho” em jogo pelo PSG. Caiu meio torto e acabou com uma fissura no quinto metatarso do pé direito que vai tirá-lo por dois meses dos gramados – tudo isso às vésperas da Copa. Faz parte. Como fez em 2014 quando ele se machucou naquelas quartas-de-final com uma joelhada nas costas e desfalcou o Brasil na semi dos 7 a 1. Nem por isso, Tite irá poupá-lo do torneio todo esse ano para não correr risco de “perdê-lo” em uma eventual final.
A seleção brasileira de futebol masculino, inclusive, tem quatro amistosos marcados para esse ano nos meses que antecedem a competição mais importante que ela irá disputar – sendo um deles antes da Copa contra a Alemanha, algoz dos fatídicos 7 a 1 no último mundial. Tite, aliás, já perdeu Neymar, Filipe Luís e Alex Sandro, lesionados, para os jogos contra Rússia e Alemanha em março e ainda terá “chance” de lesionar mais atletas às vésperas do torneio, quando enfrentará Croácia e Áustria, em 3 e 10 de junho, respectivamente.
São excelentes testes para um time que quer buscar o hexacampeonato – não adianta se iludir com o sucesso de bons treinamentos. Já diria o sábio ditado: treino é treino, jogo é jogo. Por isso os amistosos são tão importantes, ainda que submetam os/as atletas a riscos de lesões – aos quais, reforçando, eles/as também estão expostos em simples treinamentos.
Como vamos saber se as estratégias passadas por Vadão ao time estão dando certo, se a seleção não vai entrar em campo sequer uma vez antes da Copa América? Como vamos ter aquele “jogo de cintura” dentro de campo para saber lidar com as adversidades, com um placar não favorável, com uma virada sofrida repentinamente, ou até mesmo com a falha da estratégia em campo?
Pensemos no exemplo da própria Olimpíada de 2016. O Brasil chegou à semifinal contra a Suécia com um Maracanã lotado a seu favor e com a “vantagem” de ter na memória a goleada aplicada naquele mesmo time na primeira fase do torneio. O Brasil pressionou, pressionou, bola na área, chuveirinho, tudo. E não saiu do zero a zero. Não houve alteração de estratégia dentro de campo, não houve atitude que mudasse aquele cenário. Fomos para os pênaltis, perdemos.
Nenhum treino ou jogo-treino consegue simular as emoções envolvidas dentro de uma partida de futebol. Aquela chegada mais forte, os nervos à flor da pele, a pressão para abrir o placar…tudo isso só se “treina” jogando. Com adversário forte, que imponha respeito, que nos faça sair da zona de conforto, mudar a estratégia, recorrer à tática antiga, voltar mais uma vez para a nova, repensar o 4-4-2, testar o 4-1-4-1, o 4-2-3-1, subir a atacante, recuar a meia, avançar a lateral, enfim…variações táticas são treinadas, mas é na prática que é possível ver o quanto elas realmente funcionam.
Não dá para ter essa de “medo de lesão”. Aliás, não dá para ter essa de medo. Somos a seleção brasileira, que tem duas pratas olímpicas, um vice-mundial, a jogadora cinco vezes melhor do mundo e um país inteiro de mulheres apaixonadas por futebol ~dibrando por aí. Poderíamos ter muito mais, não fosse o “medo” de investir de verdade no futebol feminino nos puxando para trás – enquanto outras seleções seguem andando pra frente.
O retorno de Cristiane e Formiga
Os pontos, de certa forma, positivos para este início de ano na seleção ficam por conta do retorno de Formiga, o mito de 40 anos que ainda joga em altíssimo nível, e Cristiane, nossa eterna artilheira.
Formiga havia se aposentado da seleção no fim de 2016, após 20 anos servindo o Brasil em seis Olimpíadas e Copas do Mundo, mas após conversa da comissão técnica, está de volta ao grupo.
Já Cristiane havia anunciado sua saída no ano passado após a demissão de Emily por não concordar com os desmandos da CBF na modalidade.
Agora, porém, ela decidiu dar mais uma chance à seleção ainda sem uma decisão definitiva sobre seu retorno. Cristiane se apresentará ao grupo que fará os treinamentos nesta data Fifa e só depois anunciará seu “veredito”.
“Fui procurada pelo professor Vadão, que me fez um apelo em nome da comissão técnica para eu voltar a servir a seleção brasileira. (…) O motivo da minha saída foi um só: tentar ajudar a modalidade de outra maneira, porque as meninas não estavam sendo ouvidas. O que me foi passado durante esse tempo fora é que ao menos uma mulher foi contratada e está trabalhando em cada categoria de base. Colocaram uma mulher no grupo principal. Teremos reuniões com departamento financeiro para que seja explicado para todas a questão do direito de imagem. É suficiente? Não. Mas parece um bom começo. Estou aqui para sentir se realmente tudo isso está acontecendo (…)”, afirmou, em um post no seu Instagram no mês passado.
A mulher a que ela se refere é Bia Vaz, ex-jogadora e contratada pela CBF para trabalhar em todas as categorias das seleções femininas e ser preparada como auxiliar técnica de Vadão. Ela também atua na coordenadoria do futebol feminino junto com Marco Aurélio Cunha, segundo o próprio.
Esperamos que essas sejam reais mudanças em prol da modalidade e que consigamos evoluir no futebol feminino, dando a atenção que lhe é devida pelos órgãos competentes. Seguiremos com a torcida – e com as críticas, quando necessárias.