Milly Lacombe foi uma das mulheres pioneiras a conseguir mais espaço no jornalismo esportivo na TV. Em um meio esmagadoramente masculino, ela virou comentarista de jogos no PFC (pay per view) e passou a integrar as cadeiras do Arena SporTV, um programa bem prestigiado no meio.
Lá, ela analisava jogadas, jogadores e o jogo em si. Ao lado de renomados jornalistas homens, como Armando Nogueira e Claudio Carsughi. E foi lá que Milly cometeu um “erro gravíssimo” – como ela própria descreve – que mudou sua trajetória.
Em 2006, ao vivo no Arena, ela mencionou que o goleiro Rogério Ceni teria forjado uma assinatura de um pré-contrato com o Arsenal para conseguir um aumento no São Paulo Futebol Clube. Na hora, Ceni ligou para o programa e pediu que Milly provasse o que havia dito, já avisando que levaria o caso para a Justiça.
O caso teve imensa repercussão – talvez maior ainda por Milly ser mulher – e hoje ela reconhece ter aprendido uma lição de humildade com o episódio.
“Eu, na verdade, peguei um papo de mesa de bar e coloquei como informação, eu absolutamente ignorei qualquer lei jornalística”, disse Milly no último podcast das ~dibradoras.
“Falar que ele forjou uma assinatura sem jamais poder provar isso é um erro gravíssimo. Ter errado em rede nacional de TV também foi uma lição de humildade”, completou.
Depois do episódio, Milly foi colocada “na geladeira” pelo SporTV. “TV é um meio que mexe tanto com vaidade que o castigo na TV é te tirar do ar. Quer dizer, você fica em casa e recebe salário, o que seria uma bênção em qualquer outra profissão, mas na TV é um castigo.”
Sobre os comentários, de certa forma arrogantes, de Rogério Ceni na hora de apontar o erro da jornalista ao vivo, Milly preferiu se abster. “ Eu acho até que ele foi bastante machista quando entrou no ar, mas eu sempre tenho dúvidas em criticar a reação dele porque o erro primeiro foi meu. E a partir daí, as leis de ataque definem as de defesa. Quem fez primeiro fui eu e eu não me sinto no direito de criticar porque o erro primeiro foi meu e foi grande.”
Quando voltou para as telinhas, Milly teve que cavar seu espaço de novo. Até que ela recebeu um convite irrecusável – e até histórico para a época – para comentar a Champions League na Record.
“Foi difícil porque eu tive que voltar desmoralizada e tentar cavar meu espaço de novo. Quer dizer, já tinha sido difícil da primeira vez, aí eu volto e tenho que cavar de novo…e eu estava cavando e acho, de verdade, que eu conseguiria dar a volta ali, mas eu fui convidada pra ir pra Record. Era muito mais dinheiro, era uma rede aberta e era para comentar a Champions, era muito difícil recusar.”
Na Record, comentou a Champions em 2009 e, depois da saída do diretor que a havia a havia levado para lá, o canal acabou não renovando seu contrato.
Preconceito
Falando com as ~dibradoras, Milly também comentou sobre o preconceito contra mulheres no jornalismo esportivo e disse que a busca delas por espaço continua, porque o meio não evoluiu em nada nesse sentido nos últimos anos.
“Existe o preconceito direto e o pior deles que é o velado. É um meio muito machista. Para comentar futebol em uma mesa de bar, a primeira vez que você dá uma opinião alguém diz: Ih, ela tá falando a opinião do pai, do irmão ou do namorado. Aí você começa a argumentar e eles te levam a sério. É sempre um pouco mais difícil.”
“Na TV foi a mesma coisa, alguns deixavam claro que não me queriam lá e outros de forma velada. Mas, por outro lado, tem muito homem bacana na TV, que te levam a sério de cara, como o Milton Leite, o Noriega… pra cada um que dificulta, tem dez que facilitam. E a gente sabe que teremos que passar por isso. Tem aquele velho ditado que diz: ‘Tudo que um homem pode fazer, a mulher pode consertar’”.
Para Milly, a falta de espaço para as mulheres no jornalismo esportivo ainda é gritante.
“Não evoluiu nada. Eu acho que a Soninha foi uma pioneira e ela fez isso com muita categoria. Acho que a Marília Ruiz ainda faz isso com muita categoria. Mas também não evoluiu pra negros, você liga a TV e é o homem branco falando da rodada. É isso. E você vê caras novas, é o rostinho de um homem branco novo, o mercado não está aberto pra mulheres, negros, pra minorias. São sempre as mesmas pessoas que analisam futebol há muito tempo”, disse.
“Eu acho que mulher e homem, a gente vê o mundo de formas tão diferentes que acho que talvez o ideal fosse ter um de cada. A gente é mais subjetiva, a gente é mais emoção, homem tende a ser mais PVC, mais estatística. Talvez esse seja o futuro. E acho que tem isso de os meios de comunicação começarem a peitar a coisa.”
“Enquanto a gente fica lutando pro preconceito diminuir, tem outros que ficam sedimentando-o – Belas da Torcida é um deles. A gente vai evoluir, não tem como parar. Mas, às vezes, essa evolução dá um tranco. E o Belas da Torcida é um tranco”, finalizou.
Diretamente de Gonçalves, Minas Gerais, Milly Lacombe falou isso e muito mais para as ~dibradoras. Ela nos contou sobre a infância e a paixão pelo futebol, que começou com o pai, sobre a carreira como jornalista, sua participação como comentarista esportiva na televisão, entre outras coisas. Confira aqui ou baixe nosso podcast pelo Itunes (IOS) ou pelo Player FM (Android).